Breviário dos Políticos
Cardeal Mazarino
AÇÕES DOS HOMENS EM SOCIEDADE
- Agir com prudência -
Há duas formas de prudência. A primeira consiste em saber medir a própria confiança; mesmo quando te encontrares com amigos em um lugar protegido, mantém-te circunspecto quanto às tuas confidências, porque poucas são as amizades que não te decepcionarão algum dia. A outra forma de prudência se confunde com uma certa elegância que nos impede de dizer espontaneamente a cada um a verdade que lhe cabe, mostrando-lhe os erros, para corrigir-lhe a conduta. Essa atitude, que não está longe da hipocrisia, é muito útil, comportando, além do mais, poucos ou quase nenhum risco.
Não te deixes jamais levar a confiar teus segredos, pois não há ninguém que, com o tempo, não possa tornar-se teu inimigo. Não faças nada em estado de euforia. Cometerias erros ou cairias em armadilhas.
Jamais contes com a boa vontade dos outros, a ponto de esperares que venham a dar uma interpretação favorável aos teus atos. Não há uma só pessoa no mundo que seja capaz disso. Não escrevas em uma carta nada que não possa ser lido por um terceiro; em compensação, podes inserir elogios a alguém entre cujas mãos tua carta pode vir a cair. Se constatas que alguém procura te arrancar uma informação fingindo já estar a par daquilo que tem verdade quer saber, não o corrijas quando ele se enganar.
Dissimula ou desculpa os vícios de outrem, esconde teus sentimentos ou afeta sentimentos contrários. Na amizade, pensa no ódio; na felicidade, na adversidade. Quando fores vencedor, não devolvas ao inimigo os prisioneiros de alto nível. Se a sorte mudar, o inimigo terá assim boas razões para te poupar. Por outro lado, mantém sempre contatos diplomáticos com os generais inimigos, salvo em caso de necessidade imperiosa.
Não empreendas abertamente algo que não poderás resolver rapidamente, pois as pessoas te condenariam sem esperar tuas explicações. Vivemos em um mundo em que se condenam as virtudes melhor estabelecidas, a fortiori as virtudes mais duvidosas. Se teus parentes ou inferiores te solicitam, faz que ponham por escrito o objeto de sua demanda sob o pretexto de poderes melhor examinar a situação. Mas, tu mesmo, responde só verbalmente.
Se entras em discussões perigosas durante as quais corres o risco de caíres em armadilhas devido a tuas palavras, anuncia previamente que tudo o que disseres não passa de brincadeira. Contradiz vez ou outra teus interlocutores para ver suas reações, e opina o resto do tempo de acordo com eles. Desse modo, se cometeres alguma imprudência, poderás te justificar lembrando que os havia prevenido, não falavas seriamente.
Se és grande amante do jogo, da caça, do amor, ou se tens qualquer outra paixão devoradora, a ela renuncia definitivamente, pois essas paixões te farão cometer numerosas imprudências. Com as crianças, os velhos, a gente rude, todos aqueles que não têm boa memória e sobretudo com os tiranos, age sempre em presença de testemunhas, e pede que as missões que te confiarem sejam consignadas por escrito.
Não dês opinião aos homens impetuosos e violentos. Eles só julgam resultados. Quando puderes ser observado, fala muito pouco. Correrás menos riscos de errar do que se falares rios de palavras. Observa os vícios e as virtudes de cada um; poderás, assim, em caso de necessidade, jogar uns contra os outros para dirigires alguém. Isso deixará um belo arsenal à tua disposição.
É preciso que as janelas abram para o interior e que os caixilhos onde são colocados os vidros sejam pintados de preto, a fim de que não se possa ver se as janelas estão abertas ou fechadas.
Breviário dos Políticos - escrito pelo Cardeal Mazarino é parte integrante do livro
Conselhos aos Governantes publicado pelo Senado Federal e organizado por Walter Costa
Porto. Teve a tradução do francês para o português feita por Roberto Aurélio Lustosa da
Costa.
CARDEAL MAZARINO
Giulio Raimondo Mazzarino, ou Jules Mazarin, nasceu em Pescina, Itália, em 14 de julho de 1602. Aluno dos jesuítas, em Roma, estudou Direito em Alcalá e Madri, na Espanha e, de volta a Roma, em 1624, ingressa no serviço militar do Papa.Nomeado, pela Santa Sé, vice-legado em Avignon, em 1634, e núncio em Paris, em 1635-6, Richelieu o convoca para o serviço de Luís XIII. Em 1639 alcança a cidadania francesa e, por influência de Richelieu, torna-se cardeal. Com a morte de Richelieu, Mazarino o sucede, como primeiro-ministro. Quando morreu em 1661, teria ele, segundo seus biógrafos, concretizado grande parte dos objetivos propostos por Richelieu: a modernização do estado, a restauração do absolutismo, a subjugação da nobreza, a derrota dos Habsburgos e o restabelecimento dos Pirineus e do Reno como as fronteiras naturais da França.Para Roberto Aurélio Lustosa da Costa, tradutor deste Breviário dos Políticos, sucedem-se, no texto, "momentos de melancolia, cinismo e indiferença, quanto a qualquer valor de ordem moral, só importando a busca perseverante e incansável do poder e de sua sustentação e manutenção".
Crédito : Rio Total Literatura
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