sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dor da Perda



A DOR DA PERDA


Maria Helena Pereira Franco 


´A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe.´

Allá Bozarth-Campbell



"Às vezes, quando sentimos a falta de alguém, parece que o mundo inteiro está vazio de gente."

Lamartine

Primeiramente, quero abordar alguns mitos sobre o luto, que dificultam uma compreensão clara a respeito dessa experiência tão humana e universal.

. Luto e pesar são uma mesma experiência.
A vivência da perda e do luto progride de acordo com fases previsíveis e seqüenciadas.

Devemos sair do luto, em lugar de encará-lo.

A partir da perda de uma pessoa amada, devemos ter como objetivo superar o luto, o mais cedo possível.

A dor expressa em lágrimas é um sinal de fraqueza

Luto e pesar são a mesma experiência?
Há diferenças fundamentais entre as duas experiências e entender essa diferença é fundamental.

Pesar : é um complexo de pensamentos e sentimentos sobre a perda, que são vivenciados internamente. Em outras palavras, é o significado interno dado à experiência do luto.

Luto: é o pesar tornado público, quando você se apodera desses sentimentos e pensamentos e os expressa e compartilha com os que o cercam. Chorar, falar sobre a pessoa que morreu ou celebrar datas especiais são apenas alguns exemplos. Mesmo que esta expressão se dê sem a presença de outras pessoas, também pode ser entendida como uma forma saudável de luto.

Há uma seqüência previsível de fases na vivência do pesar e do luto?
Não é possível falar com precisão sobre essa seqüência, embora exista a necessidade de compreender o processo e, por que não dizer? - tentar controlá-lo. A noção de fases pode até mesmo ajudar as pessoas a encontrar sentido para sua experiência de luto, mas não é possível substituir o medo e a sensação de falta de sentido, naturais em uma experiência de luto, pelas falsas certezas de que as pessoas viveriam essa experiência seguindo pelas mesmas fases.

O conceito de fases foi popularizado com a primeira publicação, em 1969, do livro ´Sobre a Morte e o Morrer´, de Elizabeth Kubler-Ross, sem dúvida um marco na literatura sobre o assunto. No entanto, ela jamais desejou que as pessoas passassem a interpretar literalmente sua descrição de fases do morrer, como foi feito, com conseqüências desastrosas para a compreensão do processo.

A pessoa enlutada com freqüência encontra outras, na mesma situação, que adotaram um sistema de crenças rígido sobre o que deve ser experimentado nessa jornada ao longo do luto. Essas crenças podem afetar profundamente o processo individual natural. Podemos encontrar respostas de desorganização, medo, culpa, mas também podemos não encontrá-las. Ou a regressão pode ou não acontecer ou se sobrepor a qualquer outra das respostas. As emoções podem seguir-se umas às outras com intervalos curtos ou até mesmo duas ou mais emoções podem estar presentes ao mesmo tempo.

Cada pessoa fica enlutada de sua maneira, não existindo, portanto, maneiras melhores ou piores, nem a imposição de uma seqüência rígida, que normatiza o processo. O luto é uma experiência pessoal e única, para cada pessoa.

Devemos evitar o luto, em lugar de enfrentá-lo?
Talvez como resultado dos valores prevalentes na sociedade ocidental moderna, as pessoas enlutadas são encorajadas pela sua comunidade a prematuramente deixar para trás a experiência do luto. Como resultado, temos duas situações: ou o enlutado vive seu processo isoladamente ou força-se a abandona-lo, antes de te-lo completado. Amigos e familiares, bem-intencionados mas desinformados, tentam fazer com que o enlutado desenvolva auto-controle, entendendo que essa é a resposta adequada, tornando muito difícil para o enlutado enfrentar essa mensagem poderosa, que encoraja a repressão emocional.

Com freqüência, as pessoas me perguntam quanto tempo dura o luto. Entendo que esta é uma pergunta diretamente relacionada à impaciência que nossa cultura tem com o pesar e o desejo de sair logo da experiência do luto. Um exemplo disso é a pressão que o enlutado sofre, logo após a perda, para voltar à atividade normal. Aqueles que permanecem expressando tristeza por um tempo prolongado são considerados fracos, loucos. A mensagem sutil é ´seja forte, não se deixe abater´. Ou seja: o luto passa a ser visto como alguma coisa a ser evitada e não, que precisa ser vivida. E o enlutado passa a apresentar um comportamento socialmente aceitável, que, porém, contraria sua necessidade psicológica. Mascarar ou fugir do luto causa ansiedade, confusão e depressão. Se a pessoa enlutada receber pouco ou nenhum reconhecimento social para sua dor, poderá temer que seus pensamentos e sentimentos sejam anormais, o que nem sempre ocorre.

A partir da perda de uma pessoa amada, devemos ter como objetivo superar o luto, o mais cedo possível? 
O enlutado pode ouvir alguém lhe perguntar: Você já superou sua dor? Ou, o que é pior: ´Já está na hora de você sair dessa.´ Em termos clínicos, a dimensão final do pesar é com freqüência entendida como resolução, recuperação, restabelecimento ou reorganização. Por que não pensar em reconciliação? Esta palavra pode ter um significado mais apropriado acerca do processo vivido. Não significa passar pelo luto, significa crescer por meio dele. Reconciliação é mais expressiva daquilo que ocorre, à medida que o enlutado integra essa nova realidade de se mover ao longo da vida sem a presença física da pessoa que morreu.

A reconciliação permitirá que o enlutado tenha um senso de confiança e energia renovado, uma habilidade para reconhecer totalmente a realidade da morte, e a capacidade de se tornar envolvido novamente. O mais importante: o enlutado poderá reconhecer que, embora difícil, a dor e o pesar são partes necessárias do viver. À medida que for ocorrendo a reconciliação, o enlutado poderá se dar conta que a vida será diferente sem a presença da pessoa que morreu. Mas para isso será necessário perceber que a reconciliação é um processo, não um evento. Além da compreensão intelectual, existe a compreensão emocional e espiritual. Ou seja: além de entender na mente, vai entender no coração: a pessoa amada morreu. A dor sentida vai deixar de ser onipresente e aguda, para se transformar em um sentimento de perda que pode ser reconhecido e dá vez a um significado e um propósito renovados. O sentimento de perda não desaparece completamente, ele é atenuadoe as crises de pesar, antes intensas, tornam-se menos freqüentes e mais suaves. À medida que o enlutado começa a fazer novos envolvimentos, emerge a esperança de continuar a viver. É possível perceber que, embora a pessoa que morreu jamais virá a ser esquecida, a vida pode e deve continuar a ser vivida. Não se trata de ´superar´ o pesar. Quando o enlutado começa a mergulhar no trabalho do luto, ele irá se reconciliar com ele.

A dor expressa em lágrimas é um sinal de fraqueza? 
Muitas vezes, as lágrimas devidas a uma perda são associadas a fraqueza e inadequação pessoal. O pior que o enlutado pode fazer é permitir que este julgamento o impeça de se expressar dessa maneira. Enquanto suas lágrimas podem ocasionar um sentimento de impotência nos amigos, família e cuidadores, é preciso que ele cuide para não se deixar inibir por eles. É possível que a pessoa que está preocupada com o enlutado tente, mesmo que de maneira sutil, por desejo de protegê-lo, evitar que ele chore, para protege-lo e a si mesma, da dor da perda. Ouvem-se frases como: ´As lágrimas não o trarão de volta´ ou ´Ele não gostaria de vê-lo chorar´ . No entanto, chorar é uma maneira natural de aliviar a tensão interna e permite que seja comunicada a necessidade de ser confortado.

Mesmo com dados ainda limitados, há evidências de pesquisa que apontam que a supressão das lágrimas aumenta a suscetibilidade a distúrbios relacionados ao stress.

Por que cada perda é única?
O que há de muito especial nos seres humanos? Cada um é único, não há dois iguais e isso se reflete nos vínculos que estabelecemos, bem como nas condições da dor pela perda daqueles que amamos.

Há alguns fatores que contribuem para a compreensão dessa experiência incomparável que é o luto.

Fator 1) A natureza da relação com a pessoa que morreu
Fator 2) Circunstâncias da morte
Fator 3) Circunstâncias do sistema de apoio do enlutado
Fator 4) A personalidade - incomparável - do enlutado
Fator 5) A personalidade - incomparável - da pessoa que morreu
Fator 6) O contexto cultural do enlutado
Fator 7) O contexto religioso e espiritual do enlutado
Fator 8) Outras crises ou situações de stress na vida do enlutado
Fator 9) Questões de gênero
Fator 10) A experiência com os rituais de luto

Quando falo na dor da perda, assim entendida, preciso citar aqui um poeta brasileiro contemporâneo, que todos vocês conhecem, Caetano Veloso, que disse:

´Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.´

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